Pretensão, um inimigo no contexto das paixões de uma Nação

Por Edson Monteiro*

A pretensão é um bichinho que entra sorrateiramente na massa do sangue e que pode se transformar numa endemia funesta. As crianças, nesse caso, em se tratando de nosso país, são as principais vítimas, pois dominadas pela avalanche “midiática” que os pais — com certa ingenuidade — incentivam nos arroubos de enfeitar as ruas, reagem como se fossem invencíveis, ignorando que a competição no mundo, a cada momento, é implacável quanto a várias exigências: talento, organização racional — que não deve ser confundida com tecnocracia ou disciplina militar —, observação atenta aos passos adversários e relativa humildade.

Os iniciados na concepção de estratégia sabem que os talentos na espécie humana determinam, para cada ser, um papel técnico no contexto estratégico — é o que se denomina “planejamento operacional”, aquela etapa do plano que recomenda, por exemplo, aos de maior altura o teste esportivo inicial na modalidade “basket”. Tão mais complexa seja a atividade que se pretenda planejar, mais atenção se deve ter com as exigências da presença do talento, pois a simples boa vontade do “não talentoso” não servirá para que se vença a competição no mundo.

Os grandes artistas são pessoas talentosas, mas numa atividade coletiva na qual o talento contribui apenas com o planejamento operacional — caso do esporte futebol — o sucesso deles dependerá de um “planejamento tático” que significa saber distribuir os talentos e atribuir, a cada um deles, funções que dependerão de “velocidade de deslocamento”, “força física”, “posicionamento no campo”, “proximidade física entre os talentosos”, “instruções específicas intensamente treinadas” etc.

Bem se sabe que tudo isto dito acima é teoria, fator normalmente relegado ao mais inferior dos planos quando o bichinho pretensão já tenha se apossado da massa do sangue de certo personagem chamado “inconsciente coletivo”. Este ator é terrível na disseminação da endemia. Até pessoas de reconhecido mérito analítico deixam-se levar pela mania da vitória que dispensa planejamento, não considerando que muitos dos demais competidores, ao contrário, vêm-se dedicando, há anos da competição, para alcançar conquistas que demandam inteligência, esforço e muito reconhecimento aos valores alheios.

O tal do “inconsciente coletivo”, alimentado pelas campanhas de autossuficiência patrocinadas pelo capital consumista — este, bem planejado nos moldes da teoria acima — interfere no equilíbrio psíquico de toda uma nação e chega a alienar todo um povo, tornando-o convicto de uma vitória para a qual os seus talentosos não foram convenientemente preparados. Estes, com resquícios de consciência — pois afinal, não se lhes nega a existência de talentos — ficam estupefatos diante de acidentes de percurso, como uma bola perdida no meio do campo — e choram, choram muito, como se viu nos episódios do futebol brasileiro na Copa conhecida como “a maior Copa de todos os tempos”.

Convenhamos, sem o propósito de magoar mais ainda os que tanto estão sofrendo, o que cabe fazer é planejar humildemente, mandando para longe a pretensão de superioridade que erige frases perturbadoras como “já estamos com as mãos na taça”.

Que se respeitem, pelo menos, as crianças. Não é justo iludi-las com xenofobismo avesso ao civismo racional. Cantar o hino pátrio exige seriedade, não necessariamente lágrimas.

 

* É conselheiro do Clube de Engenharia. Artigo publicado dia 18 de julho no Jornal Corporativo e dia 19 de julho no Sentinela Ambiental.

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