Gás de xisto impõe novo desafio de produção de energia a todos os países, inclusive o Brasil, onde a demanda de gás natural é maior do que a oferta

O Sistema Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) reuniu, em 23 de maio, pesos pesados da economia para discutir os impactos do gás de xisto (também conhecido como shale gas) na matriz de custos dos fabricantes norte-americanos, assim como seus efeitos sobre a competitividade mundial e brasileira. No seminário, promovido em comemoração ao Dia da Indústria, o diretor da Divisão de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da Energy Information Administration (EIA), agência de energia do governo dos Estados Unidos, Michael Schaal, informou que a produção de gás natural em seu país, que deve representar mais de 50% da oferta de energia nos próximos anos, está se dando de forma mais rápida do que o consumo, o que torna, evidentemente, os EUA um forte exportador do produto até 2020.

Já o vice-presidente da empresa de consultoria IHS na América Latina, Robert Fryklund, previu, no mesmo painel que discutiu o abalo mundial da extração de xisto, um forte crescimento da produção de gás na Europa, principalmente na França e no sudoeste do continente. Nos EUA, no início do século, a produção do gás convencional respondia por apenas 1% da demanda.  Em 2012, o shale gas já representava 30% , de acordo com apresentação em seminário sobre o tema, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do superintendente adjunto de Segurança Operacional e Meio Ambiente da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Hugo Manoel Marcato Affonso.

No Brasil, ao contrário, o consumo de gás é muito maior que a disponibilidade que o país tem hoje, na avaliação do economista Jean-Paul Prates, diretor-geral do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne). Além disso, segundo ele, o custo industrial com o gás produzido no Brasil é muito maior, se comparado com o dos Estados Unidos. "O preço de mercado é reflexo não apenas de uma estrutura de produção já muito desenvolvida, mas também de uma logística de coleta de mercado de gás que o Brasil nunca chegou a desenvolver", explicou ele em entrevista à Agência Brasil. Ou seja, o valor do gás americano, antes mesmo da descoberta do xisto, sempre foi mais baixo em função da correta logística de coleta, de transporte (gasodutos) e do sistema de distribuição, lastreados em regras claras. 

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, admitiu, recentemente, o impacto que a indústria nacional poderá sofrer com a produção do novo gás, nos Estados Unidos. “Trará mais desa­fios para competição às empresas em todo o mundo”, disse. Desde 2008, a exploração do shale gas nos EUA reduziu o preço do produto em mais de 60%. “É quase inevitável que, com custos de energia tão baixos, os Estados Unidos possam recapturar uma parcela relevante da produção do setor manufatureiro”, na opinião do presidente do BNDES. Coutinho prevê que as consequências dessa nova revolução energética serão sentidas já em 2014.

Nova corrida do ouro nos EUA

Na verdade, o que os especialistas estão anunciando com alarde é que a nova indústria de energia vai provocar o renascimento do próprio setor manufatureiro dos EUA. Prova disso seriam as decisões da GE de trazer de volta da China e do México a sua produção de linha branca, e da Lenovo, empresa chinesa, de produzir os computadores pessoais que adquiriu da IBM na Carolina do Norte.

A Bridgestone, a Continental e a Michelin também estão reativando e até ampliando suas fábricas de pneus na Carolina do Sul, ao mesmo tempo em que fábricas instaladas no Chile estão sendo desmontadas e transportadas para a Louisiana. Há também uma nova corrida do ouro nas imediações de Pittsburgh, onde velhas siderúrgicas estão sendo reativadas para a fabricação de aço com capitais norte-americanos, russos, franceses e chineses.

Analistas do Citigroup e do UBS (banco de investimentos privado sediado na Suíça) estão convictos de que só essa indústria vai gerar um crescimento anual de 0,5% do PIB norte-americano nos próximos anos. O efeito da substituição do petróleo importado pelo chamado óleo não convencional (o xisto) já estaria sendo sentido fortemente: só em 2012, o dé­ficit comercial dos EUA caiu 10% (US$ 72 bilhões), enquanto houve, no país, a geração de US$ 238 bilhões em atividades econômicas diretas, 1,7 milhão de empregos e US$ 62 bilhões em impostos. Isso sem contar os impactos indiretos que decorrem naturalmente da redução nos preços da eletricidade, do gás e dos produtos químicos.

Barbas de molho no Brasil

Em artigo, o jornalista e assessor de Comunicação Social e Cerimonial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Marcone Gonçalves, alertou o Brasil para “por as barbas de molho”, porque o mundo parece ser pequeno demais para o shale gas e o pré-sal de forma simultânea. “O Brasil, que já está gastando por conta de reservas de petróleo enterradas a seis ou sete quilômetros debaixo do fundo do oceano, cuja extração começa a se tornar economicamente palatável com o barril acima de US$100 no mercado internacional, deveria pensar melhor antes de jogar dinheiro fora”, advertiu.

No Brasil, algumas áreas, como as das bacias do Acre, São Francisco, Parecis, Paraná e do Recôncavo Baiano, são consideradas propícias para a exploração de gás de xisto e serão objetos da 12ª rodada de licitações, prevista para o mês de outubro deste ano. Nos EUA, o petróleo não convencional jorra de forma abundante no Maciço Marcellus, que se estende por quase 1.000 quilômetros ao longo das montanhas Apalaches do Estado de Nova York até o de West Virgínia.

Em 2012, só o governo da Pennsylvania emitiu 2.484 permissões para a perfuração desse novo tipo de poço de petróleo. Os poços no estado norte-americano produziram 895 bilhões de pés cúbicos de gás, o que representou, segundo informações do jornal ? e Economist, uma injeção de US$ 14 bilhões nos cofres da Pennsylvania. Arkansas, Louisiana, Oklahoma e Texas também vivenciaram boom semelhante: a produção de gás e petróleo extraído dessas rochas quadruplicou entre os anos de 2007 e 2010, com aumento de 20% à produção nacional de petróleo nos últimos cinco anos.

Golpe nos preços do gás natural

Nos Estados Unidos, o aumento da produção do shale gas derrubou o preço do insumo de cerca de US$ 12 para US$ 3 por milhão de BTU (british termal unit, unidade térmica britânica, medida usada para gás). No Brasil, o preço do gás convencional está entre US$ 12 e US$ 16 por milhão de BTU. O vice-diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE), Colombo Tassinari, apesar de não acreditar que o xisto caia para US$ 3 como nos EUA, por conta do famoso custo Brasil, acredita que a exploração do gás não convencional pode contribuir para elevar a competitividade da indústria nacional.

Estudo recente divulgado pelo Sistema Firjan mostra que a indústria brasileira tem gasto adicional de US$ 4,9 bilhões ao ano, se comparado com as indústrias norte-americanas, exatamente por conta do preço do gás. No documento intitulado "O preço do gás natural para a indústria no Brasil e nos Estados Unidos - Comparativo de Competitividade", a entidade aponta que a tarifa média do gás convencional para a indústria no Brasil é de US$ 17,14/MMbtu, enquanto nos Estados Unidos o valor é de US$ 4,45/MMbtu, por conta do advento do gás de xisto.

O estudo revela que a indústria brasileira consome 10,4 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano, o que equivale a um custo de US$ 6,6 bilhões. Nos Estados Unidos, esse consumo equivale a um gasto de apenas US$ 1,7 bilhão. O presidente do Conselho Empresarial de Energia do Sistema Firjan, Armando Guedes, ex-presidente da Petrobras, alertou que “o alto custo do gás não só é um entrave para a falta de competitividade industrial brasileira, como coloca o setor em risco", disse em sua apresentação no encontro do dia 23, na Firjan.

A Firjan cita exemplos do impacto do preço do gás convencional nas empresas de todos os portes. Por exemplo, uma padaria de bairro que possui de cinco a sete empregados e consome aproximadamente 1,5 mil m³/mês de gás natural, tem uma perda de competi-tividade de R$ 29,7 mil por ano na comparação com os Estados Unidos. Já uma empresa química com cerca de 600 empregados e consumo de gás natural de aproximadamente 2,7 milhões m³/mês, tem gasto adicional, se comparada com uma companhia norte-americana do mesmo porte, de R$ 29,8 milhões.

Só o peso de três componentes – transporte, margem de distribuição e tributos (PIS/Co­- fins e ICMS) – tornaria o valor praticado aqui três vezes mais caro do que nos EUA, mesmo que o país consiga ter um custo da molécula (parcela variável) semelhante ao gás natural vendido no Norte: a tarifa para a indústria brasileira só cairia para US$ 11,78/MMBtu. "A queda da tarifa seria signi­ficativa, e representaria um importante avanço. Mas, para se tornar realmente competitivo em gás, o Brasil precisa incluir na agenda o enfrentamento de todos os demais componentes que formam o seu preço: transporte, margem da distribuição e tributos”, diz o economista Cristiano Prado, gerente de Competitividade Industrial e Investimentos do Sistema Firjan. 

Já o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Edmar de Almeida, adverte que o país não pode copiar o modelo norte-americano e, sim, alterar o brasileiro, para nele caber um ambiente regulatório e econômico mais favorável à rápida produção das descobertas, escoamento, transporte e comercialização, sem esquecer os aspectos ambientais que envolvem a produção desse tipo de gás. 

Ouro polêmico

O governo brasileiro anunciou: vai exigir, das concessionárias que ganharem blocos de exploração de petróleo e gás em terra, mapeamento e exploração do gás não convencional. Ou seja, estas empresas terão que fazer perfurações mais profundas e mais agressivas até chegar às camadas de folhelho, onde pode ser encontrado o gás de xisto. O Ministério de Minas e Energia acredita que só na bacia do rio Paraná, que vai do Mato Grosso até o Rio Grande do Sul, há enormes reservas desse tipo de óleo.

Sua exploração, porém, vem provocando, além do apetite comercial dos exploradores de petróleo e da esperança da indústria de pagar menos pelo uso do gás não convencional, discussões acirradas sobre os riscos das perfurações para se chegar até o xisto. Na Inglaterra, ela chegou a ser proibida, depois que dois abalos sísmicos foram atribuídos ao avanço no subsolo da terra em busca do novo ouro.

Durante sua estadia no Brasil, o estrategista chefe da Consultoria IHS, Robert Fryklund, minimizou os riscos ao meio ambiente, entre eles, os de contaminação de lençóis freáticos pelos produtos químicos, dizendo que 99% já são usados em produtos de limpeza. O geólogo norte-americano Terry Engelder também acredita que há soluções simples para descontaminar a água e o ar. Mas, nos Estados Unidos, a luta contra a exploração e processamento do shale gas vem ganhando contornos de uma batalha pelos direitos civis. Por pressões de ambientalistas, o Estado de Nova York abandonou as explorações do gás por 15 anos. O tema já chegou ao cinema e é objeto de campanha reunindo nomes famosos, como Yoko Ono e a atriz Susan Sarandon.

O documentário GasLand concorreu ao Oscar este ano e a campanha contra o fraturamento das rochas norte-americanas ganha cada vez mais adeptos, ao som do jingle Don´t Frack my Mother (em tradução livre, "Não quebre a Mãe Terra"). As queixas vão desde a água contaminada que sai das torneiras (elas literalmente pegam fogo) até a contaminação do ar, que vem adoecendo as crianças. 

Nas fazendas onde os solos são objetos de exploração de xisto, bezerros nasceram mortos, com problemas genéticos e já há um levantamento de 1.200 casos de vítimas do shale gas, em pesquisa realizada pelo cientista Yuri Gorby.

Esperamos que o Brasil não cometa o mesmo erro.

Matéria publicada nas páginas 6 e 7 do jornal número 531 do Clube de Engenharia.

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