Leonam dos Santos Guimarães
Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobrás Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria do Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

O tema desenvolvido neste esclarecedor artigo de Leonam dos Santos Guimarães reflete uma preocupação mundial. Cresce o número de países que buscam com a urgência necessária garantias, parcerias e recursos para o desenvolvimento de projetos de utilização de tecnologia nuclear para dessalinização da água, já implementados na Argentina, Canadá, Paquistão e Rússia. No Brasil, o DES-SAL, proposto em 2016 pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), prevê nos dois primeiros anos em curso os projetos conceituais do reator nuclear de pequeno porte e de uma usina de dessalinização.

A produção de energia depende da água, principalmente para o resfriamento de usinas termelétricas, mas também na produção, transporte e processamento de combustíveis fósseis. Além disso, cada vez mais a água é usada na irrigação de culturas para produção de biomassa de uso energético. Por outro lado, a energia é vital para o funcionamento de sistemas que coletam, transportam, distribuem e tratam a água, garantindo seu fornecimento para seus diversos usos.

Tanto a energia como a água são recursos que enfrentam demandas e restrições crescentes em muitas regiões como consequência do crescimento populacional, do desenvolvimento socioeconômico e das mudanças climáticas. Sua interdependência tende, portanto, a amplificar a mútua vulnerabilidade.

Para o setor da energia as restrições à água podem pôr em causa a confiabilidade das operações das usinas termelétricas existentes, bem como a viabilidade física, econômica e ambiental de futuros projetos. Igualmente importante em termos de riscos relacionados à água enfrentados pelo setor energético, o seu uso para a produção de energia pode afetar os recursos de água doce, tanto na sua quantidade como na sua qualidade. Por outro lado, a dependência dos serviços de abastecimento de água da disponibilidade de energia afetará a capacidade de fornecer água potável e serviços de saneamento às populações.

O World Energy Outlook WEO 2016, lançado pela Agência Internacional de Energia (IEA) em 16 de novembro de 2016, tem um capítulo dedicado ao nexo entre energia e água e analisa como as complexas interdependências entre esses dois recursos se aprofundarão nas próximas décadas. Essa análise atualiza o trabalho anterior realizado em 2012 e avalia as necessidades atuais e futuras de água doce para a produção de energia, destacando potenciais vulnerabilidades e pontos-chave de estresse. Além disso, pela primeira vez, o WEO 2016 observa a relação energia-água, analisando as necessidades energéticas para diferentes processos no setor de água, incluindo abastecimento, distribuição, tratamento de águas residuais e dessalinização. As principais conclusões foram divulgadas no Global Water Forum, na COP22, em 15 de novembro de 2016.

As interdependências entre energia e água deverão ser intensificadas nos próximos anos, uma vez que as necessidades desta no setor energético e as necessidades energéticas do setor de água crescem simultaneamente. A água é essencial para todas as fases da produção de energia: esse setor é responsável por 10% das retiradas mundiais de água, principalmente para o funcionamento das centrais termelétricas, bem como para a produção de combustíveis fósseis e biocombustíveis. Essas necessidades aumentam, especialmente para água que é consumida (isto é, que é retirada, mas não devolvida a uma fonte). No setor de energia há uma mudança para tecnologias avançadas de resfriamento que retiram menos água, mas que, por sua vez, consomem mais.

O crescimento da procura por biocombustíveis aumenta o consumo de água e uma maior utilização da energia nuclear aumenta os níveis de retirada e de consumo. No outro lado da equação energia-água, a análise do WEO 2016 fornece uma primeira estimativa global sistemática da quantidade de energia usada para fornecer água aos consumidores. Em 2014, cerca de 4% do consumo global de energia elétrica foram utilizados para extrair, distribuir e tratar água e esgoto, juntamente com 50 milhões de toneladas de óleo equivalente de energia térmica, principalmente diesel, usado para bombas de irrigação, e gás em usinas de dessalinização.

Durante o período até 2040, a quantidade de energia usada no setor de água é projetada para mais do que o dobro. A capacidade de dessalinização aumenta acentuadamente no Oriente Médio e no Norte da África e a demanda por tratamento de águas residuais (e níveis mais altos de tratamento) cresce especialmente nas economias emergentes. Em 2040, 16% do consumo de eletricidade no Oriente Médio estarão relacionados ao fornecimento de água.

A gestão das interdependências água-energia é crucial para as perspectivas de realização bem-sucedida de uma série de metas de desenvolvimento e de mitigação das mudanças climáticas. Há várias conexões entre os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (SDG) sobre água limpa e saneamento (SDG 6) e energia limpa e acessível (SDG 7) que, se bem geridos, permitam alcançar os dois conjuntos de metas.

Existem também muitas oportunidades economicamente viáveis para economias de energia e água que podem aliviar as pressões sobre ambos os recursos, se considerados de forma integrada. Os esforços para combater as alterações climáticas podem exacerbar o estresse hídrico ou serem limitados pela disponibilidade de água em alguns casos. Algumas tecnologias de baixas emissões de carbono, como a energia eólica e solar, requerem muito pouca água, mas quanto mais uma via de descarbonização se baseia nos biocombustíveis, concentrando a energia solar, a captura de carbono ou a energia nuclear, mais água é consumida.

Possivelmente, a gestão combinada e harmônica da energia e da água seja o maior desafio para uma efetiva transição para uma econom
ia de baixo carbono, requerida pela mitigação das mudanças climáticas. Tendo em vista que a gestão desses recursos tem um forte componente transnacional, os efeitos geopolíticos dessa transição se tornarão cada vez mais pronunciados.

Note-se, finalmente, que a água do mar é um recurso praticamente inesgotável. Seu efetivo uso, entretanto, depende da disponibilidade de energia abundante e a baixo custo para dessalinização e posterior transporte e distribuição para os locais carentes em água doce. Isto abre um amplo campo para a aplicação da dessalinização em grande escala, para a qual a energia nuclear seria uma alternativa viável.

Com efeito, a energia nuclear já está sendo usada para dessalinização e tem potencial para um uso muito maior. A dessalinização nuclear é muito competitiva em termos de custos e somente os reatores nucleares são capazes de fornecer as copiosas quantidades de energia necessárias para projetos em grande escala no futuro.

Fonte: Newspaper do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (Ceiri)

Receba nossos informes!

Cadastre seu e-mail para receber nossos informes eletrônicos.

O Clube de Engenharia não envia mensagens não solicitadas.
Pular para o conteúdo